Agora que já falamos bastante dos defeitos do brasileiro — o hábito de estacionar em fila dupla, desrespeitar o limite de 12 volumes no caixa rápido, não lembrar de confirmar presença num evento –, podemos nos concentrar em uma qualidade que o distingue da maior parte da população mundial. Uma característica na qual, geralmente, não prestamos atenção, mas que merece ser exaltada e exportada: a alegria de tomar banho todo dia. Mais de uma vez por dia. Higiene pessoal é pouco; não estamos falando simplesmente de um corpo limpinho. O brasileiro, ele tem o cangote cheiroso.
Agora mesmo, na padaria da esquina, uma mulher toma café da manhã com o cabelo molhado. Num barco de três andares, no meio do Rio Amazonas, famílias enfrentam longas filas para usar o chuveiro e só voltarão para suas redes depois de refrescadas e perfumadas com alfazema, lavanda e patchouli. Universitários moradores de uma república brigam para decidir quem vai tomar banho primeiro.
Fora do Brasil, colegas do escritório estranham o fato de o brasileiro escovar os dentes depois do almoço e lavar o cabelo diariamente. Fora de seu país, o brasileiro também estranha o comportamento dos gringos — alguns acham que é ok passar 24 horas sem tomar uma ducha, outros têm uma relação neurótica com a higiene e consideram o chuveiro um campo de batalha contra a natureza do corpo. Mas o brasileiro toma banho por puro prazer. E para facilitar outros de seus hábitos favoritos:, falar próximo do outro, andar, dançar, sentar mais próximo ainda. O banho diário facilita o grude. O banho nosso de cada dia faz sentido, num país onde a expressão “um cheiro”, em vez de “um beijo” é amplamente usada para terminar conversas presenciais ou telefônicas, em toda a região Nordeste.
Quando os portugueses chegaram aqui, depois de construir embarcações e dominar os mares, ainda não dominavam a técnica de limpar os próprios corpos. Foi com dentes podres e barbas sujas de comida que eles encontraram os índios, seres que consideraram inferiores. Índios que tomavam banho todos os dias em rios de água limpíssima, que mastigavam certas plantas, depois de comer, para limpar seus dentes, que esfregavam ervas perfumadas em seus cabelos. Os nativos foram os precursores do cangote cheiroso. A mistura seminal do brasileiro foi feita a partir do português e do índio.
Embora gostemos de nos referir ao brasileiro como “ele”, “ele” é, vamos admitir, “nós”. Como os índios, somos avançados na preservação do corpo como um bem precioso, que hoje, 500 anos depois, é chamado de “autocuidado”por revistas e sites de estilo de vida no mundo todo, apontado como uma tendência a seguir. Como os portugueses, às vezes não conseguimos enxergar isso como uma qualidade incrível que nós já temos.