Passamos a vida inteira ouvindo que mulheres não podem ser amigas, por sua natureza insegura, competitiva, psicopata. Porque mulheres só são amigas até desejarem o mesmo homem ou o mesmo último par de sapatos da prateleira. Pensando melhor, duas mulheres nem precisam se importar muito com um homem, basta qualquer portador do cromossomo y chegar para elas mudarem o comportamento e tentarem chamar sua atenção. É o que sempre disseram. E é no que acreditamos, até algumas de nós começarem a espalhar a notícia: somos amigas e somos muitas.
Do inestimável avanço de descobrirmos o poder da nossa cooperação e de celebramos de forma política um companheirismo que sempre existiu, bastou um pequeno passo para inventarem um novo mandamento: vocês têm que ser amigas. Já estamos acostumas ao recorrente fato de haver alguém para aconselhar (ou ditar) nosso modo de agir. Porém, não deixa de causar estranhamento que, à essa atura, ainda paire sobre a sociedade a dúvida de que conseguimos fazer e sustentar nossas escolhas, individualmente.
A resposta para essa desconfiança generalizada é a substituição de um tabu por outro, no que se refere ao comportamento feminino, há décadas. “Você não pode trabalhar fora, porque precisa cuidar dos filhos” se transformou, no começo dos anos 1970, em “você não pode abrir mão da carreira para se tornar uma dona de casa”. De lá para cá, foram muitas as novas regras, várias das quais disfarçadas de avanços e com um tom de conselho amigável. Mas não podemos nos enganar, cada uma delas é só mais uma forma de controle. Uma tentativa de estipular, para nós, um objetivo impossível.
Mulheres podem ser amigas, sim. Que bom que sejam e que se defendam. Que protejam, inclusive, aquelas que não são suas conhecidas. Mas sejamos amigas, se quisermos. A amizade é um tipo de prioridade. Como é impossível priorizar tudo (uma contradição em termos), é inviável manter uma amizade com todas as minas ao redor. Mesmo que elas sejam incríveis,isso não será o bastante. Até porque a afinidade não depende de quantas qualidades a outra tenha. É um mistério, que tem a ver até com os defeitos da outra pessoa e com o modo como você a ama, torce por ela, quer estar perto e conversar por horas, apesar de todos os pontos enervantes de sua personalidade.
Sejamos amigas, enquanto der. Porque algumas amizades vão morrer pelo caminho, e não precisamos sentir (mais essa) culpa. Duas mulheres que se tornam amigas hoje vão mudar muitas vezes e, nem sempre, aquelas novas pessoas em que se transformarem continuarão sendo uma prioridade uma para a outra. Fica a lembrança.
É importante encarar o lado mais duro da realidade também. Não é possível ser amiga de todas as mulheres do mundo, simplesmente, porque a companhia de algumas delas não vale a pena. Existem homens maus e mulheres más. De novo, é mais chocante pensar nessa característica no feminino, seja pela regra machista, segundo a qual, a mulher tem que ser boazinha, ou porque o nosso feminismo quer crer que somos todas manas. Mas não somos, não.
Garotas más existem, não só nos filmes, mas nos grupos em que circulamos e em todas as faixas-etárias. Bitches will be bitches, e quanto antes admitirmos, mais liberdade teremos para nos afastar. Não é porque você não está competindo por olhares e sapatos que todas as outras pessoas do mundo não estejam. Deixa que estejam, que sejam. Você não precisa julgar ou ajudar. Tampouco precisa conviver.
“É necessário necessário, às vezes, limitar ou rarear certos relacionamentos.” Não à toa, Clarissa Ponkola Estés, autora do livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, deixou em aberto o gênero das pessoas com quem devemos restringir o relacionamento. Segundo ela, certos convívios são capazes de roubar a paz e a criatividade da mulher. “Ser nós mesmas faz com que nos isolemos de muitos outros”, escreve.Ser nós mesmas e escolher as próprias amizades faz com que pareçamos egotistas. Não é um exercício fácil, depois de ouvirmos tantas regras sobre como devemos agir e muito pouco sobre priorizar nossa própria vontade e sermos, antes de tudo, nossa melhor amiga.