Textão

Se eu pudesse dar um conselho, seria: escreva diário

13/04/2020

É comum meninas escreverem diários, quando crianças, contando a vida em letras que ocupam a altura de duas pautas, em um caderno de capa dura com alça para passar o cadeado. Eu guardava, como minhas amigas, a chave dos meus diários de infância com muito cuidado, como se eu mantivesse grandes e sórdidos segredos, embora, na verdade, estivesse apenas escrevendo sobre terças-feiras que, aparentemente, eram sempre iguais a todas as outras segundas e quartas-feiras dos meus primeiros anos de escola.

A maioria das menininhas, entretanto, deixam de anotar suas rotinas, tão logo começam a se aproximar da adolescência. Talvez por vergonha de manter um hábito de criança, talvez porque haja muita coisa acontecendo, com todos aqueles hormônios e bandas de rock roubando a atenção e a disciplina requerida para registrar mesmo os dias mais comuns.Meu pai manteve diários a vida toda e me incentivou a não parar de escrever os meus. Abandonei só os caderninhos com cadeados e segui escrevendo sobre o meu dia a dia, quase sempre, em brochuras baratas ou velhas agendas que minha família ganhava de brinde — de vez em quando, no aniversário, alguém me dava um caderno bonito de capa dura e eu o usava, mas nunca liguei para isso, só me interessava a folha em branco.

Ao ler os diários mais famosos do mundo, Otto Frank, o pai de Anne, percebeu que os pais não conhecem os seus filhos. Ele ficou assombrado com o que sua filha deixou escrito, antes de ser aprisionada pelos nazistas e de morrer como vítima do Holocausto. Lendo o que escrevi, depois de muitos anos, sempre penso que, como os pais não conhecem seus filhos, ninguém conhece o outro ou a si mesmo totalmente. A cada vez que releio meus velhos cadernos, me conheço um pouquinho mais. Não tanto pela narrativa do dia em que minha melhor amiga mudou de cidade ou da noite em que meus avós morreram, mas pelos dias sem nenhuma novidade marcante, aqueles de que eu teria me esquecido completamente, se não fosse pela escrita. Então, percebi que, mesmo que possa parecer o contrário, não existem duas terças-feiras iguais. E cada uma delas é digna de alguma anotação.

Também descobri um padrão nas minhas releituras. Parece que a gente precisa escrever mais em dias tristes. E que os períodos de felicidade merecem muito pouco registro — acho que por ser melhor gastar essas horas vivendo. Com o tempo, passei a pensar em mim mesma, nas diferentes fases que vivi, como velhas amigas que deixei para trás. Sinto pena, sinto orgulho, sinto saudade. Sinto gratidão por elas terem escolhido tirar um pouquinho de seus dias, em 1994 ou em 2005, para se corresponder comigo hoje.

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Sabrina Abreu