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Resenha “O Último Kibutz” por Revista Bravo

01/07/2017

O que é um final feliz?

“O Último Kibutz”, de Sabrina Abreu, mostra o caminho de amadurecimento de uma jornalista que largou tudo para viver um ano em Israel

Foi em agosto de 2000 que meu avô ganhou de uma sobrinha o livro Setembro e, de cara, me chamou a atenção na dedicatória uma mensagem sobre sermos constituídos de pedacinhos de outras pessoas, como um “mapa de amor”. Era meu primeiro contato com a obra da britânica Rosamunde Pilcher, autora de dezenas de livros que têm a Escócia e a Cornualha como cenário para tramas emocionantes que já venderam mais de 60 milhões de exemplares.

Lembro-me do misto de sensações que aquele livro provocou. Setembro fala sobre pessoas totalmente diferentes, que saem de lugares como Londres, Maiorca e Nova York para uma festa em Croy, bucólica comunidade no interior da Escócia. Apesar de tão distintas entre si, as personagens nem imaginam o quanto suas vidas estão entrelaçadas por anseios, segredos do passado, tragédias e perspectivas de futuro. Além de ser uma verdadeira aula sobre escrita, a narrativa de Pilcher tem o poder de nos transportar para as regiões mais poéticas e pouco conhecidas daquele país, e nos faz parar em vários momentos para degustar aquela velha sensação de déjà-vu: “isso já aconteceu ou poderia ter acontecido comigo”.

Desde Pilcher (e Frances Mayes com sua série de histórias que jogaram os holofotes sobre a Toscana), vários autores já se lançaram no mercado seguindo o mesmo estilo — tramas triviais numa encantadora cidade de interior — mas a maioria não tem sucesso, e o máximo que se consegue é uma tediosa prosa água com açúcar. Agora, uma luz surgiu na minha mesa de trabalho. Dezessete anos após ser marcado pela leitura de Setembro, ao ler o novo livro da escritora mineira Sabrina Abreu, eu senti novamente aquela emoção.

O Último Kibutz conta a história de Sofia, jornalista que largou um emprego promissor em São Paulo para prestar serviço voluntário em um kibutz no norte de Israel. Lá, fez amizade com outros jovens estrangeiros em busca do mesmo trabalho, e com o velho Simon, que ajudou a criar o Estado israelense na década de 1940. A narrativa, sempre em terceira pessoa, colabora com a fluidez e compreensão das histórias, ao relatar de maneira imparcial detalhes particulares de cada personagem que cruza o caminho de Sofia no kibutz. E cada um deles vai influenciando e marcando a vida da jornalista de forma peculiar. A mensagem sobre sermos constituídos de pedacinhos de outras pessoas, que eu vi na dedicatória de Setembro, nunca fez tanto sentido.

Os personagens, assim como Sofia, são de várias partes do mundo e adiam decisões da vida adulta a fim de curtir o momento presente. Com isso, o livro mostra a diferença entre a juventude dos anos 2000 e a do sábio Simon. Enquanto a geração dele se sacrificou por um projeto humanitário coletivo nos anos 40, a da jovem é mais imediatista: é a nossa geração atual, que “não sabe bem o que quer, mas quer tudo ao mesmo tempo e agora”. Em diálogos entre a novata e o veterano, ao leitor é concedido o privilégio de aprender com vários dos ensinamentos do israelense:

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“O meu projeto de vida era fazer com que o país continuasse existindo por mais um ano, depois outro ano, e outro e mais um. Os voluntários que chegaram, logo depois de 1967, queriam nos ajudar nessa tarefa e conhecer uma forma de vida mais igualitária. Se era possível dentro do kibutz, talvez fosse possível reproduzir pelo mundo todo um modelo menos desigual. Eram projetos coletivos. E vocês, o que querem? Cada jovem que encontro agora tem o objetivo de ser feliz. Nem gosto de dar conselhos, porém, no fundo, gostaria que soubessem: encontrar a felicidade é um objetivo mais difícil do que fundar um país”.

Ao longo da leitura, é possível perceber que a trama não reserva um final surpreendentemente feliz — algo que deixa a própria Sofia em crise existencial com frequência, e que nos faz questionar o conceito que temos de “final feliz”. A vida não é um conto de fadas. É um longo caminho, de escolhas, amadurecimento e constantes despedidas. O ultimo kibutz retrata isso com lucidez e delicadeza, ao mostrar a jovem se deparando com tais angústias durante o ano longe de casa. “O que acontece agora? A gente continua vivendo. Sempre”.

É o segundo livro de Sabrina a respeito daquele país — o primeiro, Meu Israel, reúne entrevistas e outras memórias suas durante a própria experiência num kibutz, dez anos atrás. Como eu disse sobre Setembro, certas obras nos levam ao cenário descrito, aguçando nossos cinco sentidos. O estilo de vida daquela comunidade nos é apresentado com leveza, e poesia. Em O Último Kibutz temos o prazer de conhecer uma cultura diferente através de diversos aspectos: os hábitos do dia a dia, a maneira de se relacionar dos israelenses em contraste com quem é de fora, o modo de pensar, o temperamento e até assuntos mais polêmicos, como a religião e suas divergências. Alguns autores, ao fazerem isso, não somente criam respeitáveis obras de literatura contemporânea, como prestam um importante serviço cultural ao lugar escolhido para ambientar suas tramas. A Escócia e a Cornualha têm Rosamunde Pilcher. A Toscana tem Frances Mayes. E Israel, felizmente, tem Sabrina Abreu.

Ambas conseguem não apenas nos despertar vontade de conhecer aqueles locais pelos seus costumes de sua gente, mas também desejar viver no ritmo das personagens, que enxergam beleza na simplicidade e, inevitavelmente, nos levam a refletir: o que estamos fazendo com nosso tempo de vida? É uma pergunta assustadora para quem segue a rotina acelerada de metrópoles como São Paulo. Mas mostra-se eficaz para lembrar aquele clichê de que, quem vive no “piloto automático”, vive com menos prazer do que os que perseguem seus objetivos. E como dizem as personagens do livro: vida longa aos nossos sonhos. O Último Kibutz é um bálsamo muito bem-vindo para mentes que perderam o hábito de sonhar.

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O Último Kibutz, de Sabrina Abreu. Editora Simonsen, 120 págs. R$ 39,90.

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