breves prosas poéticas

Deixa eu contar meus fracassos pra você

08/04/2019

Então deixa eu contar meus fracassos pra você. Já consegui provocar um acidente de trânsito batendo em dois carros de uma vez. Eles estavam parados. Na época do colégio, demorei a aprender a olhar as horas. Evito relógios de ponteiro até hoje. Tropecei na frente de todo mundo na segunda bienal de literatura pra que fui convidada. Quis ficar invisível.  Minha letra é feia. Eu torcia para ninguém me chamar pra jogar na educação física. Torcia pra ninguém lançar a bola pra mim, quando eu jogava. Nadei durante muitos anos, curei a bronquite, mas não aprendi direito a virada olímpica. Nesta minha vida, não entreguei nenhum texto importante dentro do prazo. Eu esqueço coisas. Já esqueci a mala na esteira do aeroporto. Duas vezes. Fui suspensa no colégio, porque eu conversava muito. Eu quis ser repórter policial, pra investigar injustiças do mundo igual ao Caco Barcelos, no livro Rota 66. Mas, depois de cobrir a primeira chacina como estagiária do jornal, tive uma crise de choro na frente do repórter experiente. Ele me levou pra tomar água de coco até eu me acalmar e, resumindo, o mundo tá desse jeito, cheio de injustiças que não investiguei.  Teve esse e-mail que eu não enviei, porque não tive coragem. Teve coisas que criei coragem pra dizer pessoalmente, mas aí já era tarde. Meu senso direcional é ruim. Eu poderia ser melhor em jardinagem. Matei um antúrio e dois cactos.  Achei Madame Bovary uma chatice sem fim. Diferente das minhas primas, eu tinha medo de descer uma rua íngrime de patins e quebrar meu pescoço. Eu fico um pouquinho arrependida quando escolho um filme e percebo que a outra pessoa não gostou tanto — mesmo eu não tendo dirigido nem roteirizado esse filme.  Não sei jogar buraco. Só sei preparar um (01) tipo de drink. Aconteceu algumas vezes de eu comprar chocolates pra alguém durante uma viagem e acabar comendo antes de entregar.  Bem que tentei, mas não aprendi a gostar de açaí. Nem de sushi. Não sei a diferença entre Marvel e DC. Nem quero saber. Descobri há pouco tempo que ser autodepreciativa é uma espécie de charme, mas talvez eu esteja enganada.  Pensei em outras 8.475 formas de começar esta conversar com você, mas falhei. Em. Todas.  Elas.

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Sabrina Abreu